{Aviso de conteúdo: palavrões, spoilers, movie stuff e provavelmente algo que pode incomodar mas que eu não estou conseguindo lembrar agora, como opiniões}
Fazendo já clara referência e homenagem à série que eu acabei de assistir (pra não dizer que foi um plágio descarado, porque “Talking Bad” foi o nome do programa exibido depois do final da série, que eu não cheguei a ver), resolvi esboçar alguns dizeres nem um pouco acadêmicos sobre Breaking Bad, série de TV produzida pela AMC, criada por Vince Gilligan e cujo título não me atrevo a traduzir. A não ser que fosse algo como “Tocando o foda-se”.
Apesar de toda a divulgação e a empolgação de vários amigos sobre a série, demorei a começar a ver por motivos que eu não saberia rastrear. E acho que um dito popular não poderia ser melhor aplicado como “tudo a seu tempo”. Comecei a ver quando tinha que ser. Se tivesse acompanhado a série conforme os episódios iam ao ar, talvez não tivesse terminado.
Breaking Bad demora um tanto para acordar você, como aquele dia que você sai de casa morrendo de preguiça de caminhar, e aos poucos, acostumado à ideia de estar acordado, começa a seguir seu passo habitual, às vezes apressado, às vezes apenas mantendo-o para chegar no momento certo. E seu caráter dramático não é aquele que faz você pular da cadeira a cada episódio – é um drama cotidiano, prosaico, quase privado, familiar. Fala de corrupção pessoal, de mudança e perda de valores, sobre justificativas e motivações, e, principalmente, sobre até que ponto somos capazes de aceitar os malfeitos de alguém quando eles nos parecerem justificados o bastante. Breaking Bad, como sua principal metáfora – a química, é sobre mudanças.
Apiedei-me do drama de Walter: diagnosticado com câncer em um país onde não existe saúde pública, ele sente que, além das esperanças mínimas de sobrevivência, deixará sua família na falência financeira. Como maneira de conseguir fazer dinheiro e deixá-los em relativa estabilidade, o professor de química pensa em fabricar metafetamina. Para isso, ele se associa com um ex-aluno seu, o jovem viciado em drogas Jesse. A partir daí, tentando levar uma vida dupla, os problemas começam a se relacionarem e a escalarem a pontos inimagináveis no início da narrativa. E desse processo, ninguém sai incólume.
Breaking Bad apresenta, com o passar das temporadas, peças soltas de um quebra-cabeça que, ao final, se encaixam com precisão e naturalidade. Diferente de um encaixe perfeito, no entanto, ele se parece mais como um mosaico meio opaco em três dimensões: pedaços irregulares formando um todo complexo e multifacetado, com tons que mudam conforme o ângulo do qual se vê, e faces que se ocultam e se mostram de acordo com o lado que o espectador olha.
E falando sobre ângulos, há o rico aspecto técnico: ângulos criativos e simbólicos, que falam mais de uma situação do que seus próprios personagens; pontos de vista inusitados, como o de um galão de gasolina encarando seu portador Walter em um contra-plongée, entre outros. Já vi textos que comparam a linguagem de Breaking Bad com o cinema, mas sem a pasteurização habitual da TV, e acho que devo concordar. Há planos poderosos, em que o visto fala muito mais do que qualquer texto, como o meio rosto de um bebê em prantos se escondendo apavorado com você, espectador. Há omissões necessárias, em que mortes são explícitas, mas somos poupados de vê-las. Há outras, porém, chocantes e muito claras, que, assim como ao protagonista manipulador, têm um claro propósito de mandar uma mensagem, mostrando a que a série veio.
E conforme a série evolui, seus feitos escalam. Novos personagens aparecem, outros se quebram, alguns se regeneram. Walter White passa por tantos tons morais que, ao final, você sabe que ele é qualquer coisa, exceto puro como seu nome poderia indicar, assim como nós, que não somos nem bons, nem maus. Depois da piedade ao protagonista, depois do reconhecimento de sua coragem ao fazer sua primeira vítima, por suas próprias mãos – porque, ao meu ver, para tirar a vida de alguém é necessário muita coragem – veio a raiva. Tive a percepção que ele seguiu no tráfico porque queria, porque gostava. E como eu o detestei por isso, Walter White. Como o odiei, como nutri raiva pelos estragos que você fez com aqueles ao seu redor pelo orgulho não-admitido.
Voltei meu carinho, então, aos outros personagens. Sua esposa, Skyler – e até ela me decepcionou com uma frase demolidora, embora suas razões estivessem claras como cristal -, seu cunhado, Hank. Jesse, o personagem que mais chorou na série inteira, e, surpreendentemente, o mais capaz de empatizar com os outros. O adolescente incapaz de largar seus vícios costumava ser o anjo da consciência, que lembrava vez ou outra: “precisamos fazer isso?”. E mesmo essas pessoas não eram infalíveis. Assim, também, como nós.
E veio o final, uma montanha russa sempre decadente de consequências naturais aos atos. Quantas vezes não gritei em pensamentos – e até verbalizei – “Alguém, por favor, mate Walter!”? Até que Hank, o policial gordinho e careca, deu-me a resposta: “Ele não pode se livrar tão fácil assim”. E não se livrou. Ao final, porém, ainda me pergunto se Walter White me ganhou de volta. No único momento em que ele nos fala a verdade, a total verdade sobre si mesmo, não sei me posicionar sobre sua redenção – se é que há alguma redenção. Mas a jornada chegou ao fim, e a mim, cabe apenas matutar a respeito. Quem sabe, um dia, eu consiga discernir meus próprios sentimentos em relação a Walter White.