Enxofre, gritos, sofrimento. Ele vislumbrava tudo do seu trono de ossos, acariciando uma das cabeças do seu cão Kérberus. Tudo corria normalmente – Tântalo continuava sua tentativa interminável de comer e beber, Sísifo rolava a pedra morro acima e morro abaixo… Nada de novo. Ele, no entanto, parecia preocupado.
– E com o que te preocupas?
Uma cópia muito mais generosa da Monica Belluchi andava provocante na sua direção. Ser um deus tinha suas vantagens, afinal. Ela usava o mesmo figurino do Matrix Revolutions, só que não parecia estar tão incomodada de usar uma roupa tão apertada. E tanto a saia, quanto a blusa, quanto qualquer outra coisa lhe caía bem. Nada como silicone de ambrosia.
– Esses malditos astrólogos! – explodiu finalmente o deus, seus cabelos inflamando em tons azulados – nunca gostou do vermelho que descreviam nas lendas. Levantou-se do trono, enquanto seu cão modestamente se retirou para comer um semi-deus incauto, que queria arrancar-lhe a coleira. – Eles querem me rebaixar! REBAIXAR, a mim!
– Querido, são astrônomos…
Ao fundo, os gemidos de Kérberus juntavam-se aos outros barulhos do reino: correntes, espadas, escudos, conversas sem nexo… O cachorro não era muito inteligente, mas não gostava quando a sua pretensa refeição se mexia. E pior: feria-o com uma espada mágica abençoada. Agora ele entendia o significado de vida de cão.
– Que seja. Eles acham que conhecem os segredos deste universo. Só porque criaram aqueles malditos conservatórios, que são na verdade antros de imoralidade e desrespeito! Ahn, como é mesmo o nome desses prédios? Prostíbulos?
– Não. Universidades.
– Bem, quase a mesma coisa. Quem eles pensam que são?
– Estudiosos, acho. – respondeu Perséfone, distraída, lixando as suas unhas.
Hades – ou Plutão, como queiram – sempre teve problemas de auto-estima, graças à parte que lhe coube cuidar. Nada contra os mortos, mas… bem, eles estão completamente mortos. Todos o temem, todos pensam que ele é um deus maligno e ausente de sentimentos… mas poucos se lembram que ele seqüestrou Perséfone, neta de Zeus, só por amor. E não foi bem um seqüestro…
– Estudiosos! Até parece! Eles esqueceram quem começou com os princípios dessa ciência supérflua deles? Aqueles que nos adoravam! Que matavam em nosso nome! Sabe, não nos chamamos deuses à toa! Qual o planeta que eles dão para Zeus? O maior deles! Júpiter! Mas para mim, Hades, eles dão o Planeta Anão!
– Bem, querido… quando ainda eram nove planetas, você era o nono, certo? – sem esperar resposta, a elegante deusa continuou. – Quantos são os círculos do inferno, segundo aquele escritor com o qual você toma chá toda tarde?
– Nove… mas onde você quer chegar?
– E qual o melhor livro dele?
– O Inferno…
A postura já ia mudando – parecia mais relaxado. É, era um escritor aclamado até mesmo por quem nunca tinha lido, e o seu melhor livro do conjunto de três, era mesmo o que descrevia os domínios de Hades. Hm, não estava tão mal na fita.
– Isso, bom garoto. Agora, me diga: qual dos maiores deuses tem uma esposa de curvas tão generosas quanto eu?