“I can tell you why people go insane/ I can show you how you could do the same”
Audioslave, Shadows on the sun
A mochila no colo a lembrava do trabalho que a aguardava pelo resto do dia. Naquele momento, porém, a felicidade era completa: sentada à janela do trem refrigerado, sentia o sol do Rio de Janeiro acarinhar-lhe o rosto. Frio e calor ao mesmo tempo, na dose exatamente certa. Gostava das pequenas coisas.
Olhou pela janela conforme as ruas passavam rapidamente ao seu lado correndo, como todo mundo corria naquela cidade. O tempo corria, o relógio corria, as pessoas corriam. Ela própria correria antes do final do dia: correria com prazos, correria para sair, correria para chegar.
E como se não tivesse pressa, o trem parou na estação da Piedade. Quase sorriria da ironia depois. Piedade?
Era uma parada normal, prevista para aquela linha. Havia outras, que paravam menos, mas por serem mais rápidas, eram mais cheias de gente. O lugar vago à esquerda a deixava feliz com sua escolha. Eventualmente alguém sentaria ali, mas por enquanto o espaço vago era mais um motivo para sorrir sozinha. Era uma segunda-feira, afinal. Tinha que aproveitar o bom humor.
E correndo, como o resto da cidade, um homem pulou a grade da estação, vindo da rua. Nada de errado até então – entrar no trem sem pagar a passagem. Não seria a primeira vez que veria isso. Pulou e continuou correndo, apressado, obstinado. Deve estar querendo pegar este trem. Ao menos foi o que ela havia pensado.
Notou com o canto dos olhos outro trem que se aproximava pela outra via férrea. E pela velocidade, não iria parar.
Mas o rapaz pararia.
E pela segunda vez aquela manhã, pensou errado.
Ele… realmente fizera aquilo?
Mochila, chinelos e outras coisas que não podia identificar voaram pela linha férrea. “Vocês viram isso?”, foi o que conseguiu falar, sem ter a menor noção do que fazer. As pessoas se amontoavam, olhando pela janela que ela já não tinha mais coragem de encarar. Todos pararam para ver.
Logo, o trem começou a se mover, retornando à pressa habitual. As pessoas se sentaram, ainda falando sobre o acontecido. Mas logo esqueceram, e voltaram a falar sobre outras coisas.
À janela, a cidade correu mais uma vez.
Baseado em um fato real que não aconteceu comigo, mas vocês podem ver aqui.