Arquivo | abril, 2010

Ready, set, go

30 abr

“I can tell you why people go insane/ I can show you how you could do the same”

Audioslave, Shadows on the sun

A mochila no colo a lembrava do trabalho que a aguardava pelo resto do dia. Naquele momento, porém, a felicidade era completa: sentada à janela do trem refrigerado, sentia o sol do Rio de Janeiro acarinhar-lhe o rosto. Frio e calor ao mesmo tempo, na dose exatamente certa. Gostava das pequenas coisas.

Olhou pela janela conforme as ruas passavam rapidamente ao seu lado correndo, como todo mundo corria naquela cidade. O tempo corria, o relógio corria, as pessoas corriam. Ela própria correria antes do final do dia: correria com prazos, correria para sair, correria para chegar.

E como se não tivesse pressa, o trem parou na estação da Piedade. Quase sorriria da ironia depois. Piedade?

Era uma parada normal, prevista para aquela linha. Havia outras, que paravam menos, mas por serem mais rápidas, eram mais cheias de gente. O lugar vago à esquerda a deixava feliz com sua escolha. Eventualmente alguém sentaria ali, mas por enquanto o espaço vago era mais um motivo para sorrir sozinha. Era uma segunda-feira, afinal. Tinha que aproveitar o bom humor.

E correndo, como o resto da cidade, um homem pulou a grade da estação, vindo da rua. Nada de errado até então – entrar no trem sem pagar a passagem. Não seria a primeira vez que veria isso. Pulou e continuou correndo, apressado, obstinado. Deve estar querendo pegar este trem. Ao menos foi o que ela havia pensado.

Notou com o canto dos olhos outro trem que se aproximava pela outra via férrea. E pela velocidade, não iria parar.

Mas o rapaz pararia.

E pela segunda vez aquela manhã, pensou errado.

Ele… realmente fizera aquilo?

Mochila, chinelos e outras coisas que não podia identificar voaram pela linha férrea. “Vocês viram isso?”, foi o que conseguiu falar, sem ter a menor noção do que fazer. As pessoas se amontoavam, olhando pela janela que ela já não tinha mais coragem de encarar. Todos pararam para ver.

Logo, o trem começou a se mover, retornando à pressa habitual. As pessoas se sentaram, ainda falando sobre o acontecido.  Mas logo esqueceram, e voltaram a falar sobre outras coisas.

À janela, a cidade correu mais uma vez.

Baseado em um fato real que não aconteceu comigo, mas vocês podem ver aqui.

Synthetics

24 abr

“So take me down to the cities of the future
Everybody’s happy and I fell at home”

(Infected Mushroom, Cities of the Future)

Os prédios levantavam-se pela paisagem, como uma tentativa fracassada de alcançar o céu. Olhou para cima e tudo o que pôde ver foi uma grande massa cinzenta carregada e suja. Não sabia de que cor era o céu. Nunca o viu, embora alguns registros antigos que juntavam poeira digital em algum museu virtual o mostrasse de diferentes cores dependendo da hora do dia.

Aquilo não lhe fazia sentido. Como pode algo tão imenso e inalcançável variar de cor de maneira natural? As modelos de propaganda – olhou para o lado e viu um imenso outdoor luminoso, mostrando uma ocidental de cabelos multicoloridos oferecendo indecorosamente um refrigerante – colocavam implantes para que seus cabelos ilusoriamente perfeitos mudassem de cor de acordo com os humores. Quanto ao céu, devia ser algo com a incidência de luz natural.

Percebeu a bobagem que estava dizendo. Que diferença fazia saber a cor do firmamento? Não ganharia dinheiro com aquela informação. Não poderia cobrar favores de ninguém com aquilo. Informação descartável.

“Como eu”, pensou.

Olhou mais uma vez o pequeno terminal e viu o verme espalhar-se pela Rede como uma praga bíblica. As informações alcançariam seus destinos, e o caos se instalaria em breve. A velocidade com que tudo se espalhava pela Rede era increvelmente surpreendente.

“Está fazendo a coisa certa”, ouviu mais uma vez a voz dizer na sua mente. Já não importava se era certo ou não. Era o que queria fazer.

Ouviu atrás de si a porta sendo violentamente aberta. Sorriu. Aquilo não adiantaria, não mais. Antes que pudessem atirar com balas que destruiriam seu ser – como aprendera tão recentemente – artificial, as luzes apagaram por toda a Megalópole. O Blecaute teve início.

Os tiros soaram.

Sentiu o vidro se esfacelar com o peso do seu corpo, e caíu vertiginosamente.

Longe dali, no escuro, alguém sorriu.

O céu continuava cinzento, pesado e sujo.

Eu jurei pra mim mesma que o próximo post de ficção seria relativo ao Hunter High School. Mas a culpa é do @_jagunco_. Cortem-lhe a cabeça. ;D

Texto de abril (olha, dessa vez estou em dia!) da Liga Narrativa. O tema da vez é Vida Cyberpunk (na verdade, era só Cyberpunk, mas alguém acrescentou um Vida aê. ;P).  Outros que já participaram da brincadeira:

Marlon – Segunda-Feira

Mário – Caos 283

Fulfilled

8 abr

Abriu os olhos para a escuridão como tantas outras vezes. A cabeça rodopiava pelas paredes do quarto – estava no quarto? Não sabia dizer ainda. Seu corpo doía e tremia como nunca antes. Já havia se machucado antes em serviço, não era novidade. Mas diferente das outras vezes, trazia um sorriso no rosto.

Lembranças da noite passada afloravam na mente confusa. Houve uma luta, embora ela não lembrasse bem o que aconteceu. Só devia ter apanhado bastante.

Sorriu, e o sorriso logo se transformou em gargalhada. E quando a caça se torna caçador?

Não importava. Ele conseguiu deixá-la assim. Estava feliz. Preenchida. Alimentada. Completa.

O gosto férreo do sangue tornava a aparecer na boca. Relembrando o momento, ela ainda se deliciava. Não poderia descrever se quisesse. E por que deveria se preocupar com palavras? Ninguém entenderia. Ninguém precisava entender.

O sangue vertia suavemente do pequeno corte nos lábios. Ela não entendeu a princípio; não deveria ser a presa? Mas não questionou. E ao provar, soube que não poderia desejar algo diferente. Depois de tanto tempo, finalmente preencheu o vazio que tanto a atormentara. Cada gota de sangue fazia-a tremer dos pés à cabeça. Prazer. Excitação. Adrenalina. Rápido. Forte. Intenso. E profundamente errado.

Naquele momento, soube que não havia nada igual. Soube que estava perdida.

E mesmo na lembrança, deleitava-se. Apesar da dor e dos ferimentos, era imbatível. Ninguém ou nada poderia detê-la.

A cabeça girou mais uma vez. Não se levantaria tão cedo.

Um lapso de sanidade: estava indo longe demais. Tinha que parar com aquilo. Seria capaz?

Mais um da Liga Narrativa, dessa vez seguindo o conselho de um amigo. O tema de março (que eu estou descaradamente postando em abril) foi Banquetes. Abaixo, os outros que resolveram se refestelar. E o desenho é claramente inspirado na Lust, de Full Metal Alchemist.

Aniversário de Namoro – Roleplayer

O Segundo Gosto – O Feudo

Fome – Juca’s Blog